terça-feira, 24 de junho de 2014

À sombra de um escândalo corporativo

À sombra de um escândalo corporativo

Depois das denúncias e em busca de mais transparência, o Walmart mudou consideravelmente sua estrutura e a equipe de compliance. / Divulgação Walmart
Thomas A. Mars, CDO (Chief Data Officer) nos EUA; José Luis Rodríguez Macedo Rivera, conselheiro geral da divisão mexicana; E H. Lee Scott Jr., executivo chefe. Esses três homens fazem parte de uma longa lista de executivos dos níveis mais altos de gestão do Walmart que tinham cargos fundamentais na empresa quando a divisão internacional da rede foi alvo de escândalos de corrupção. Em julho próximo, quase todas as pessoas relacionadas não estarão mais na empresa – mas nenhuma das saídas foi citada pelo Walmart como uma forma de limpar a bagunça causada por esses escândalos.

Já se passaram dois anos desde que as acusações de suborno surgiram, seguidas de uma investigação do governo dos EUA a respeito das operações internacionais da companhia. Os gastos da empresa estão chegando a quase meio bilhão de dólares em função das investigações internas e externas, após uma reportagem publicada pelo The New York Times.

Embora as investigações ainda estejam em curso, o Walmart mudou consideravelmente sua estrutura e a equipe de compliance [basicamente departamentos mantidos em grandes empresas, cujos funcionários são encarregados de zelar para que a companhia atue em conformidade – daí o nome – com normas, regras e leis, locais e internacionais] às vezes com grande barulho, mas outras sem soltar nenhum pio.

ÉTICA SEM INDEPENDÊNCIA

Embora as circunstâncias por trás da saída de cada executivo sejam pouco claras, um padrão surgiu. Ao menos oito dos executivos com altos cargos no Walmart do México, Índia e Bentonville, no Arkansas, deixaram a empresa desde a segunda metade de 2011, quando a empresa foi informada da investigação do NYT.

Nos mesmos dois anos, o Walmart mudou seu programa de compliance global. Em medida que rema contra a maré da cultura corporativa, a empresa aumentou em mais de 30% a equipe de compliance, chegando a 2.000 funcionários, nesse curto período de tempo.

Outras mudanças – incluindo exigir que quaisquer casos potenciais de corrupção fora do país sejam comunicados à sede corporativa e ao conselho diretivo – diminuíram a possibilidade de que executivos aleguem ignorância no futuro.

É do interesse do Walmart, sobretudo durante as negociações com os promotores federais, mostrar como dedicou mais recursos à conformidade.

"Quanto mais proativo você for em termos de estabelecer um bom programa de compliance, maior é a leniência com a qual o Departamento de Justiça irá observar o caso", afirma David Schertler, advogado de defesa. "Pode ter certeza de que eles estão informando muito bem o Departamento de Justiça, mesmo que não tornem públicas as suas medidas".

A investigação federal das operações globais do Walmart tenta descobrir se a empresa violou a Lei de Práticas de Corrupção Internacionais, que proíbe empresas de subornarem autoridades internacionais.

Kenneth H. Senser, vice-presidente, manteve o cargo, mesmo envolvido na investigação das acusações de suborno. - Ron Philips/The New York Time
O NYT publicou em 2012 que o Walmart subornara autoridades mexicanas em diversas ocasiões para conseguir alvarás de construção que acelerassem a expansão da empresa no país. Os executivos na sede da empresa em Bentonville ouviram falar dos supostos crimes em 2005 mas cancelaram uma investigação interna, ao invés de relatarem as possíveis violações ao governo dos EUA.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos não confirmou nem negou qualquer investigação no Walmart.

Até o momento, o gigante varejista teria desembolsado US$ 439 milhões com as investigações e o programa de conformidade.

"Se você quer não apenas chegar ao pelotão do meio, mas liderar a tropa, é preciso gastar mais dinheiro", afirma Jay Jorgensen, chefe de compliance global do Walmart. "Nossas ordens são deixar a empresa em total conformidade e realmente liderar, e isso exige um investimento adicional".

Apesar disso, ainda restam algumas questões importantes. Segundo o novo sistema do Walmart, quaisquer violações da Lei de Práticas Internacionais de Corrupção devem ser relatadas ao comitê de auditoria, cujo conselho independente é encarregado de investigar as acusações. Porém, especialistas externos criticam a estrutura de supervisão, afirmando que a diretora de ética, Cindy Moehring, não terá independência suficiente enquanto seu cargo for atrelado ao diretor jurídico da empresa, Jeffrey Gearhart, secretário corporativo da empresa.

Para Lynn E. Turner, antigo chefe de contabilidade da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, o fato de Gearhart ter autoridade sobre Moehring torna o sistema "conversa para boi dormir".

"Se a contratação, a despensa e o salário da diretora de ética são responsabilidade do diretor jurídico, é muito pouco provável que os delatores acreditem que realmente podem confiar na diretora de ética", afirma Turner. "Acredito que esse sistema não seja eficaz".

Segundo David W. Tovar, porta-voz do Walmart, quaisquer decisões em torno da contratação ou da despensa de Moehring e Jorgensen não seriam feitas "sem a interferência do comitê de auditoria". “O grupo também pode se expressar durante as avaliações anuais. Temos confiança de que possuímos a estrutura corporativa correta para lidar com uma compliance forte e eficaz, além de um programa de ética com alcance mundial. Nossos diretores de ética e de conformidade respondem diretamente ao comitê de auditoria independente, com frequência e sempre que necessário", explica.

Outras questões giram em torno de alguns executivos que ainda estão na empresa e foram, de alguma forma, afetados pelos escândalos. Um desses executivos, Kenneth H. Senser, vice-presidente global de segurança, aviação e viagens em 2005, estava intimamente envolvido na investigação das acusações de suborno no México. Atualmente, sua posição na empresa parece ter mudado muito pouco.

RECUPERAÇÃO DA CONFIANÇA

Tovar afirma que os investigadores federais têm ciência do papel de Senser e de que "a empresa continua a confiar em sua capacidade de fazer o serviço". As investigações de Práticas Internacionais de Corrupção não são supervisionadas por Senser e equipe.

Loja da rede na Cidade do México: executivos da operação local foram acusados de subornar autoridades, em 2012, para conseguir alvarás de construção que acelerassem a expansão da empresa no país. - Josh Haner/The New York Times
Michael T. Duke, que era diretor do Walmart International em 2005, continua no conselho diretivo da empresa. Ele veio a se tornar executivo-chefe, posto do qual se aposentou este ano.

Em maio, a Institutional Shareholder Services, um influente grupo de consultoria para acionistas, recomendou um voto contrário à presença de Duke no conselho diretivo, afirmando estar preocupada com o fato de que os investidores do Walmart ainda não saberem se algum executivo havia sido responsabilizado pelo caso de corrupção.

Questionado se executivos dos quadros mais altos foram afastados por conta dos escândalos de corrupção, Tovar, não nega de forma generalizada. Ao invés disso, afirma que eles deixaram a empresa por uma série de razões, indicando as explicações dadas no momento de sua saída. A empresa não afirma que esses executivos saíram em função dos escândalos.

Tovar nega enfaticamente que a investigação tenha afetado dois executivos: Scott e Duke. "Você deve estar se perguntando se isso é resultado da investigação, diz Tovar a respeito da saída dos dois. "Eu responderia que não".

Segundo o porta-voz, Scott deixou o conselho diretivo porque a empresa preferia ter apenas um ex-diretor executivo no conselho por vez, e que o posto agora seria ocupado por Duke que estaria se aposentando depois de uma longa carreira. Mandar funcionários embora pela porta dos fundos durante investigações de corrupção é uma prática comum, segundo os especialistas. Porém, Stephen M. Davis, diretor associado dos Programas de Governança Corporativa da Faculdade de Direito de Harvard argumenta que, do ponto de vista dos investidores, se esse é o caminho escolhido pelo Walmart, a questão não é se a prática é comum, mas se é suficiente.

"Quando se trata de uma empresa como essa, que é tão importante para os portfólios dos investidores, para o mundo dos consumidores e para o mercado de trabalho, é preciso ser mais aberto com a empresa como um todo, para que seja possível recuperar a confiança", diz Davis.

http://www.dcomercio.com.br/2014/06/22/a-sombra-de-um-escandalo-corporativo

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