Avolumam-se ações na Justiça questionando o voto de qualidade nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), com visível tendência a considerá-lo ilegal, tendo em conta o Código Tributário Nacional (CTN) e a Constituição. Por uma tradição que remonta aos anos 1930 e por influência de concepções administrativas adotadas na Itália de Mussolini, os órgãos do processo administrativo fiscal foram constituídos de forma “paritária”, com representações do Fisco e, por indicação de corporações patronais, dos contribuintes.
Julgamentos podem resultar em empates. Nesses casos, cabe ao presidente do órgão (invariavelmente representante do Fisco) proferir o voto de desempate, obviamente em favor do Fisco. Essa roleta viciada representa, pois, uma singular contribuição à teoria dos números: paridade com número ímpar.
Um dos fundamentos daquelas ações é o artigo 112 do CTN, que estabelece: “A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto ... (especifica as hipóteses)”.
Esse enunciado reproduz robusta tradição de que a dúvida afasta o agravo (in dubio pro reo). De fato, nos julgamentos parece claro que o empate encerra razoável dúvida, sendo, portanto, aplicável aquela norma.
Apesar da abrangência das hipóteses enumeradas no artigo 112 do CTN, há divergências na doutrina quanto ao seu caráter taxativo ou exemplificativo. Filio-me à corrente que perfilha sua índole exemplificativa.
Curiosamente, no curso dos mais de 50 anos de existência do CTN, só recentemente o contribuinte alegou aquele artigo em demandas judiciais. Como explicação para essa mudança de atitude, aponto os lançamentos tributários espetaculares, com base em especiosos entendimentos sobre o planejamento tributário. Na dúvida, qualquer planejamento tem sido qualificado como abusivo.
À falta de normas que confiram concretude ao disposto no parágrafo único do artigo 116 do CTN, gerou-se um clima que propicia lançamentos muito elevados, com base em excêntricas construções. Essa desproporcional dimensão financeira, entretanto, finda constrangendo o voto dos representantes do Fisco.
Frequentemente, surgem empates nos julgamentos, que se resolvem em favor do Fisco, pelo “voto de qualidade” do presidente do órgão.
Tais lançamentos, além de representar virtual dano à reputação do contribuinte, causam perplexidade, especialmente a controladores estrangeiros, desacostumados a tão incomuns porfias tributárias. Desnecessário ressaltar as implicações desse quadro no ânimo para empreender em um país que almeja romper padrões medíocres de crescimento.
Recorrer ao Judiciário, depois de desfavorável decisão administrativa, demanda oferecimento de garantias ou fianças bancárias, que o contribuinte, muitas vezes, não tem como suportar. Além disso, há rumores de um preocupante esgotamento nas possibilidades de oferecimento de fianças bancárias.
É certo que, em outra perspectiva, o Fisco alega, não sem razão, que, quando eventualmente perde na instância administrativa, não tem como recorrer ao Judiciário. O valor dos litígios tributários, no País, já se eleva a assombrosos R$ 3,3 trilhões. Para interromper, momentaneamente, essa teratológica trajetória, o Congresso tem aprovado, periodicamente, programas de parcelamentos associados a anistias e remissões, comumente denominados “Refis”.
Ainda que possam se sentir injustiçados por lançamentos indevidos, cujo tendencioso julgamento lhes foi desfavorável, muitos contribuintes optam por aderir a esses programas, como mero instrumento para redução de danos.
Como consequência perversa dessa comédia de erros, os parcelamentos alcançam também devedores contumazes, que recebem imerecidos e recorrentes benefícios, em flagrante injustiça com os que cumprem regularmente a obrigação fiscal. O processo tributário brasileiro assumiu contornos kafkianos. Demanda urgente mudança de concepção, que não se resolve com reparos pontuais.
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Receita Federal esclarece questões referentes ao artigo “A falência do processo tributário”
- Postado por José Adriano em 6 abril 2018 às 12:00
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Sobre o artigo “A falência do processo tributário”, publicado, hoje, no jornal O Estado de São Paulo, especialmente quanto à edição de “lançamentos tributários espetaculares” e ao julgamento deles no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) informa o que se segue.
A atividade de lançamento é plenamente vinculada à lei. Especificamente, nos lançamentos referentes ao planejamento tributário abusivo, regra geral, eles tratam da redução do pagamento de tributos por determinado contribuinte mediante operações artificiais e, muitas vezes, sem substrato econômico. A referida controvérsia não é singular ao Brasil. O artigo, quando dispõe que esses lançamentos são “espetaculares” e feitos “com base em especiosos entendimentos sobre o planejamento tributário”, não tem base fática ou jurídica que sustente sua crítica.
Aliás, frise-se, inclusive, as recomendações da OCDE, no curso do Plano de Ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros (BEPS - Base Erosion and Profit Shifting), em que recomenda o combate aos planejamentos tributários abusivos. Em especial, citam-se duas ações: combater de modo eficaz as práticas tributárias prejudiciais, tendo em conta a transparência e a substância; exigir que os contribuintes revelem os seus esquemas de planejamento tributário agressivo.
Quanto ao julgamento administrativo dos lançamentos tributários, o artigo omite que eles são julgados em primeira instância pelas Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ), de forma colegiada, no qual a autoridade julgadora firma livremente sua convicção na apreciação da prova. Para o julgamento de recurso do contribuinte no CARF, em regra, já houve um julgamento (colegiado) desfavorável a ele. Não há, assim, um empate na análise daquele processo a ser objeto de interpretação favorável ao contribuinte, mas sim apenas do segundo julgamento.
Ademais, em caso de empate, é plenamente justificável que o voto de qualidade seja do representante da Fazenda Nacional, eis que se está diante de um julgamento administrativo, realizado por órgão integrante da estrutura do Ministério da Fazenda. Isso significa que o contribuinte pode ainda, querendo, ingressar com ação no Poder Judiciário, com todos os recursos disponíveis; a Fazenda Nacional, ao contrário, não pode questionar o lançamento na esfera judicial.
O sistema processual administrativo fiscal, portanto, está longe de se configurar numa “roleta viciada”, como afirma o autor, cumprindo seu papel de análise administrativa da legalidade do lançamento.
Luiz Carlos de Araujo
Auditor-fiscal da Receita Federal
Chefe-substituto da Assessoria de Comunicação Institucional
Assessoria de Comunicação da Receita Federal
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