eSocial - Teremos que pagar para ver?
Por Leonardo Amorim
Era a parte final do Fórum Sped Porto Alegre. Roberto Dias Duarte acabara de concluir a apresentação do trabalho “Pós-Validando o Sped”, onde de forma altamente crítica, elegante, moderada e bem-humorada, expôs resultados dos primeiros anos do Sped em nosso país; dados que contradizem a tese de que o modelo pensado por tecnocratas reduz custos e a burocracia dos contribuintes.
Duarte ainda traçou um panorama sobre a complexa teia de legislações que gera uma impressionante carga horária para o cumprimento das obrigações dos contribuintes(1), tudo isso diante dos coordenadores Daniel Belmiro Fontes e José Alberto Maia.
Em relação ao eSocial, afirmou que é mais fácil para uma grande empresa se adaptar ao modelo proposto que propriamente, uma pequena, e encerrou sua participação com uma poderosa reflexão sobre o significado de todo esse emaranhado de leis, normas, atos e sistemas de escrituração digital que refletem toda uma cultura burocrática informatizada, para nos provocar sobre como estamos lidando com a nossa capacidade em iniciar um processo de mudança do cenário apresentado. O público o aplaudiu de pé; confesso que fiquei emocionado e ali imaginei o Paulo D´ Amore, Daniel Tibúrcio, e tantos outros colegas de desenvolvimento que compartilham saber no Sped Brasil e que estão na luta diante dessa proposta unilateral que envolve o projeto eSocial, digitalizando a burocracia e impondo ainda mais sacrifícios para as pequenas e médias empresas, o que por tabela, atinge diretamente os produtores de softwares que tratam desse segmento do mercado.
Momentos antes da apresentação, estava trocando idéias com Duarte em relação a um dos slides que abordam sobre uma suposta redução da economia subterrânea em relação à carga do Produto Interno Bruto (PIB) por conta da implementação do eSocial com um incremento de R$ 20 bilhões naarrecadação. Comentei que não vi ainda estudo científico, com base em modelos quantitativos, que possa dar embasamento preciso sobre as teses de que o eSocial vai gerar tais efeitos sobre a informalidade, apontando as correlações com o aumento da arrecadação, além das supostas vantagens comparativas, anunciadas pelos teóricos e coordenadores, de que vai simplificar os trabalhos na prestação de informações ao fisco. Duarte também sinalizou que não tem conhecimento de tal amparo científico a respeito de minha indagação.
Talvez o modelo do eSocial reflita mais o interesse de entes fiscais em reduzir o trabalho de fiscalização, o que não significa que haverá benefícios reais para os empregadores? Teremos que pagar para ver? Tenho o receio que sim; a recente história dos Speds parece nos sinalizar que o eSocial será mais um novo capítulo desse drama “com base na dor”, não do fisco, obviamente, mas dos contribuintes.
Duarte ainda traçou um panorama sobre a complexa teia de legislações que gera uma impressionante carga horária para o cumprimento das obrigações dos contribuintes(1), tudo isso diante dos coordenadores Daniel Belmiro Fontes e José Alberto Maia.
Em relação ao eSocial, afirmou que é mais fácil para uma grande empresa se adaptar ao modelo proposto que propriamente, uma pequena, e encerrou sua participação com uma poderosa reflexão sobre o significado de todo esse emaranhado de leis, normas, atos e sistemas de escrituração digital que refletem toda uma cultura burocrática informatizada, para nos provocar sobre como estamos lidando com a nossa capacidade em iniciar um processo de mudança do cenário apresentado. O público o aplaudiu de pé; confesso que fiquei emocionado e ali imaginei o Paulo D´ Amore, Daniel Tibúrcio, e tantos outros colegas de desenvolvimento que compartilham saber no Sped Brasil e que estão na luta diante dessa proposta unilateral que envolve o projeto eSocial, digitalizando a burocracia e impondo ainda mais sacrifícios para as pequenas e médias empresas, o que por tabela, atinge diretamente os produtores de softwares que tratam desse segmento do mercado.
Momentos antes da apresentação, estava trocando idéias com Duarte em relação a um dos slides que abordam sobre uma suposta redução da economia subterrânea em relação à carga do Produto Interno Bruto (PIB) por conta da implementação do eSocial com um incremento de R$ 20 bilhões naarrecadação. Comentei que não vi ainda estudo científico, com base em modelos quantitativos, que possa dar embasamento preciso sobre as teses de que o eSocial vai gerar tais efeitos sobre a informalidade, apontando as correlações com o aumento da arrecadação, além das supostas vantagens comparativas, anunciadas pelos teóricos e coordenadores, de que vai simplificar os trabalhos na prestação de informações ao fisco. Duarte também sinalizou que não tem conhecimento de tal amparo científico a respeito de minha indagação.
Talvez o modelo do eSocial reflita mais o interesse de entes fiscais em reduzir o trabalho de fiscalização, o que não significa que haverá benefícios reais para os empregadores? Teremos que pagar para ver? Tenho o receio que sim; a recente história dos Speds parece nos sinalizar que o eSocial será mais um novo capítulo desse drama “com base na dor”, não do fisco, obviamente, mas dos contribuintes.
A manifestação de José Alberto Maia
Após Duarte concluir a apresentação, houve uma breve exposição de Daniel Belmiro (outro excelente palestrante) e então, ocorreu o fato curioso do evento: José Alberto Maia, coordenador do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que não estava mais previsto para falar (já tinha feito todas as suas apresentações), pediu cinco minutos, quebrando o protocolo: Primeiro, elogiou o trabalho de Duarte, para em seguida argumentar que uma coisa é o eSocial, outra é a complexa teia de leis e normas do nosso país, e que as duas coisas não devem ser confundidas.
Foi uma réplica por algum incômodo com o impacto da palestra provocado no público? Maia fez ponderações sobre as ponderações, dentro do que considero ser um debate sadio. É bom salientar que Maia, a exemplo de Belmiro, foi bastante interativo com as pessoas durante todo o evento. Enganam-se os que pensam que a dupla de coordenadores é de “difícil acesso”. Tive essa constatação disso ainda no evento de Teresina, em fevereiro, quando através de Pedro Evano, consegui falar com o Belmiro por telefone, em busca de informações sobre o cronograma, e fiquei surpreso com a disponibilidade dele em me atender de uma forma tão amistosa. Creio que Maia teria feito o mesmo e desconfio que o trabalho dos coordenadores do projeto, principalmente na parte que compete ao cronograma, esteja sob alguma pressão, feita por quem não entende absolutamente nada sobre a realidade da escrituração trabalhista no Brasil.
O eSocial carece de mais dialética(2)
O eSocial precisa de dialética. Carece de mais análises. Teorias precisam sempre ser testadas antes de serem aplicadas em massa e o que ocorreu no “apagar das luzes” do Fórum é um sintoma que reforça um conceito pessoal: O tema “eSocial” ou qualquer outro ligado ao Sped, precisa ser exaustivamente submetido a debates que sejam livres de interesses corporativistas, antes mesmo de ser encaminhado ao desenvolvimento e isso não é algo que se resolva por uma vontade de um governante ou banca de auditores, certamente frustrados com a má qualidade das informações fiscais que recebem dos contribuintes. É preciso saber as causas desse fenômeno:
Será apenas por conta dos modelos de sistemas adotados?
Será o peso das leis e normas que inviabilizam o cumprimento?
Outros fatores?
Estarão combinados? Qual a relação de cada um na composição do problema?
É bom frisar: Duarte abordou algumas contradições entre o que foi teorizado e os fatos até então apurados, e assim provocou o público a uma reflexão. Imagino que tentar explicar tais contradições não se trata apenas de algo restrito a especialistas em contabilidade, direito tributário, experts em TI, auditores de diversos segmentos governamentais, mas também é um tema que requer a participação ativa de entidades e estudiosos que estejam focados em avaliações sociológicas, econômicas e até antropológicas, afinal de contas, o mundo onde acontecem os eventos a serem informados via escrituração digital, não se situa dentro dos datacenters, muito menos nas salas dos projetos pilotos, nas mesas de auditores fiscais, tampouco nas linhas de programação e nos sistemas que coletarão e repassarão os dados!
Estou exagerando? Bem, se considerarmos que a escrituração pública digital envolve dados analíticos da vida contábil, fiscal e agora, a trabalhista de empresas, instituições e cidadãos, sendo, portanto, uma coisa pública relevante (alguém duvida?), deixar o tratamento de suas premissas e desenvolvimento metodológico nas mãos de um pequeno grupo de tecnocratas que podem estar alheios ao contexto sócio econômico que envolva a fonte das informações (digo, a sociedade economicamente ativa e que sustenta o estado de coisas), não me parece ser uma política inteligente.
O fato é que o projeto eSocial carece de mais discussão. Por que?
1. O modelo foi pensado a partir de empresas de grande porte, sem ponderar as realidades (por sinal, bem distintas) das demais empresas e entidades;
2. Está sendo disseminado teoricamente sob uma tese que ainda não foi totalmente testada. O próprio modelo não foi executado por completo, não está acabado, os leiautes não estão “congelados” (3) o que por si só, o torna uma incógnita e mesmo assim dá-se ênfase aos prazos quando se deveria discutir se a sociedade está preparada para recebe-lo;
3. A experiência bem sucedida com o modelo de disparos de XMLs adotado pela NF-e, muitas vezes tem sido usada para justificar a analogia com o eSocial, mas não pode servir de embasamento conclusivo, principalmente quando se consideram as localidades com dificuldades de acesso a internet, pois o que se escritura em uma NF-e não chega nem perto do que será escriturado pelo eSocial e dos dados que deverão ser previamente organizados para alimentar o sistema;
4. A teia complexa de normas trabalhistas são de fato anacrônicas para uma sociedade que se encontra na era digital, e a proposta de impor a prestação de informações sobre eventos trabalhistas não parece em equilíbrio com a capacidade dos empregadores em atender o modelo.
Será apenas por conta dos modelos de sistemas adotados?
Será o peso das leis e normas que inviabilizam o cumprimento?
Outros fatores?
Estarão combinados? Qual a relação de cada um na composição do problema?
É bom frisar: Duarte abordou algumas contradições entre o que foi teorizado e os fatos até então apurados, e assim provocou o público a uma reflexão. Imagino que tentar explicar tais contradições não se trata apenas de algo restrito a especialistas em contabilidade, direito tributário, experts em TI, auditores de diversos segmentos governamentais, mas também é um tema que requer a participação ativa de entidades e estudiosos que estejam focados em avaliações sociológicas, econômicas e até antropológicas, afinal de contas, o mundo onde acontecem os eventos a serem informados via escrituração digital, não se situa dentro dos datacenters, muito menos nas salas dos projetos pilotos, nas mesas de auditores fiscais, tampouco nas linhas de programação e nos sistemas que coletarão e repassarão os dados!
Estou exagerando? Bem, se considerarmos que a escrituração pública digital envolve dados analíticos da vida contábil, fiscal e agora, a trabalhista de empresas, instituições e cidadãos, sendo, portanto, uma coisa pública relevante (alguém duvida?), deixar o tratamento de suas premissas e desenvolvimento metodológico nas mãos de um pequeno grupo de tecnocratas que podem estar alheios ao contexto sócio econômico que envolva a fonte das informações (digo, a sociedade economicamente ativa e que sustenta o estado de coisas), não me parece ser uma política inteligente.
O fato é que o projeto eSocial carece de mais discussão. Por que?
1. O modelo foi pensado a partir de empresas de grande porte, sem ponderar as realidades (por sinal, bem distintas) das demais empresas e entidades;
2. Está sendo disseminado teoricamente sob uma tese que ainda não foi totalmente testada. O próprio modelo não foi executado por completo, não está acabado, os leiautes não estão “congelados” (3) o que por si só, o torna uma incógnita e mesmo assim dá-se ênfase aos prazos quando se deveria discutir se a sociedade está preparada para recebe-lo;
3. A experiência bem sucedida com o modelo de disparos de XMLs adotado pela NF-e, muitas vezes tem sido usada para justificar a analogia com o eSocial, mas não pode servir de embasamento conclusivo, principalmente quando se consideram as localidades com dificuldades de acesso a internet, pois o que se escritura em uma NF-e não chega nem perto do que será escriturado pelo eSocial e dos dados que deverão ser previamente organizados para alimentar o sistema;
4. A teia complexa de normas trabalhistas são de fato anacrônicas para uma sociedade que se encontra na era digital, e a proposta de impor a prestação de informações sobre eventos trabalhistas não parece em equilíbrio com a capacidade dos empregadores em atender o modelo.
Voltando ao estudo apresentado por Duarte, o que testemunhei foi a proposta de uma dialética que me fez lembrar o estilo de Hegel(4); foram ponderações sobre uma linha de pensamento até então predominante no evento, algo que por sinal, vem caracterizando as abordagens teóricas sobre o eSocial; um projeto que supostamente está com o modelo operacional definido e fechado para uma rediscussão.
Duarte fez uma típica antítese; com autoridade, sem se preocupar em agradar a linha corporativista e nesse sentido, deixou uma lição sobre o Sped que temos onde certas teorias não foram confirmadas, principalmente as que se relacionam com a redução dos custos na manutenção do modelo por parte dos contribuintes, e a que considera a redução do tempo gasto no cumprimento das obrigações. Tais constatações implicam em outra questão: O Sped precisa ser repensado?
Resultado de uma pesquisa sobre o Sped aponta para outra realidade, em
comparação com o que foi planejado, em relação aos custos de implementação, por exemplo.
Não seria leviano em dar uma resposta para uma questão tão complexa, mas isso não me impede de concluir este artigo com uma observação, seguida de uma outra questão que tem marcado as decisões da coordenação do eSocial:
O que mais me impressiona nesse histórico de resultados práticos frustrantes do Sped (com exceção da NF-e) é que as lições extraídas dos modelos de escrituração digital implementados no Brasil, parecem não ter mesmo muita importância para quem está desenvolvendo o eSocial.
Por que será?
*Leonardo Amorim é programador, analista de sistemas, articulista, analista de suporte para Sped e sistemas de contabilidade, consultor de negócios contábeis
(1) Mais detalhes, na apresentação http://pt.slideshare.net/robertodiasduarte/psvalidando-o-sped-slide...
(2) Do grego dialektike (tekne), podendo ser traduzido por “discussão”, a lógica dialética e a famosa tríade de Hegel envolve a tese, a antítese e a síntese. A primeira é uma categórica afirmação geral ou conjunto de idéias e proposições, onde se pode atestar um conceito predominante; algo que aconteceu em quase todo o fórum quando se abordou o eSocial, normalmente apresentado como algo definitivo, cujo modelo de escrituração evento por evento aplicado sob a complexa teia de normas trabalhistas, previdenciárias e fiscais, o tornam um desafio enorme para as micro, pequenas e médias empresas.
(3) Georg Wihelm Friedrich Hegel, pensador alemão (1770-1831) que influenciou ninguém menos que Karl Marx (1818-1883) com sua lógica dialética contextualizada no racionalismo moderno, que retomou os diálogos de Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia.
(4) Definidos, concluídos. Essa situação somente será possível após o encerramento das atividades do projeto piloto.
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