segunda-feira, 28 de abril de 2014

Reforma Tributária Urgente 4ª Parte — Evasão Legal e Travestida de Legal

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Reforma Tributária Urgente 4ª Parte — Evasão Legal e Travestida de Legal

Por Antônio Sérgio Valente
As evasões legal e travestida de legal não são propriamente novidades no mundo econômico, mas a sua maior expansão se deu, sem dúvida, na última década. De certo modo representam uma resposta aos cruzamentos eletrônicos de dados, à maior complexidade de alguns tributos, à elevação do nível de escorcha, e à incontinência maquiavélico-criativa de alguns governantes. Estes fatores induziram os contribuintes a buscar alternativas de evasão. E o fizeram vislumbrando brechas sugeridas pelo próprio adversário, em sua ânsia de tributar.
Evasão Legal
O contribuinte não precisa escavar a brecha da evasão legal. O próprio governo a escancara, basta passar por ela e divertir-se. E não estamos cogitando de isenções ou reduções de base de cálculo, ou incentivos à pequena e média empresa, absolutamente. São operações e receitas que normalmente seriam tributadas. As brechas atendem interesses de grandes corporações, ou de pessoas físicas de altíssimo poder aquisitivo. Decorrem de efeitos legislativos colaterais, inadvertidamente criados pelo próprio governo. O resultado é que esses contribuintes não precisam correr riscos, sonegar, nada disso, basta cumprir a lei e seguir por caminhos frescos, protegidos por sombras de árvores frondosas plantadas pelo próprio governo.
Vejamos um exemplo na área federal. Se alguém aufere rendimentos totais já na faixa da alíquota de IR de 27,5%, e possui dois ou três ou mais imóveis alugados, sobre cada centavo de aluguel pagará 27,5% de IR. Mas se for bem mais rico, e tiver dez ou vinte ou cem imóveis alugados, poderá pagar só 11% de imposto sobre o mesmo rendimento. Basta abrir uma empresa familiar e jogar nela os imóveis e as locações. Como que por encanto deixa de pagar 16,5% de IR sobre os aluguéis. E esta prática evasiva não raramente é combinada também com interesses escusos, eis que a azienda na qual os imóveis se abrigam — assim mesmo, embora normalmente os imóveis é que abrigam as empresas, mas aqui estamos na subversão da normalidade, num mundo de ponta-cabeça — pode comportar sócios comanditários e ocultos em contratos de gaveta, de modo que ensejam também a lavagem de dinheiro. Recentemente houve um caso, noticiado pela imprensa, de certo magistrado tributário flagrado nessa prática.
Claro que esse vão não é para qualquer classe média da vida. Implica em certos custos: contador, endereço comercial, condomínio, luz, telefone — e não muito mais que isso, sequer exige empregados. Mas para quem tem pouco, tudo é muito. Já para quem é da elite e recebe aluguéis elevados, vale a pena. É óbvio que essa é uma distorção do Imposto de Renda. Representa uma nítida brecha de evasão legal, estritamente legal. Mas há muitas mais.
Vejamos outro exemplo, agora na área estadual, no ICMS por Substituição Tributária. Quando uma indústria produz para um público-alvo que compra itens de muito valor agregado, em cadeia comercial cara (butiques finas de bairros chiques, lojas de shopping, etc), e outra produz os mesmos tipos de produtos (mesmas posições fiscais e descrições), porém mais populares, menos sofisticados, de menor valor agregado, as margens médias ponderadas dos índices de valor adicionado setorial (IVA-ST), da porta da fábrica à do consumidor, tendem a divergir enormemente. As mercadorias que têm como público-alvo a elite, não raramente agregam entre 200% a 300%, conforme o item, embora haja casos, já verificados, de mais até do que isso. Já as que se destinam a público-alvo mais pobre, que são vendidas nas periferias, as margens brutas em geral oscilam de 40% a 100%, no máximo.
Ora, se os itens estão na mesma posição fiscal, embora sejam marcas diferentes, a média ponderada tende para baixo, eis que o maior volume é das mercadorias massivas. Neste exemplo vago, pode tender para algo entre 80% e 120%. Digamos que a média ficasse em 100%. Neste caso, o produto com margem real de 300% paga metade do imposto que deveria constitucionalmente pagar.
É que um copo não é só um copo, pode ser vendido massivamente na rua Paula Souza ou na 25 de Março, agregando margem bruta desde a fábrica de 80%, mas um outro copo de qualidade diferente, ambos da mesma posição fiscal, pode ser vendido, numa loja de presentes finos do Ibirapuera, com margem de 200%. É só um exemplo, mas o mesmo ocorre com sabonetes, desodorantes, brinquedos, colchões, com a lista inteira da ST. Com a agravante de que a lista abriga em cada um de seus itens mercadorias diferentes, de marcas diferentes, de fabricantes diferentes, enfim, mistura alhos com bugalhos. A média jamais conseguirá absorver a vida real. Quando se tributa por média é impossível não cometer injustiças, de um lado, e abrir brechas de evasão legal, de outro. Isto é inevitável, por mais criteriosa que seja a pesquisa de margens. Há sempre alguns produtos abaixo e outros acima da média. Quem está acima, ganha; quem está abaixo, perde. E como a média é ponderada, o produto massivo tende a puxá-la para baixo, pois o valor agregado é menor, mas o volume é maior.
Desse modo o consumo do rico põe, em termos percentuais sobre o preço de venda efetivo, menos tributo no cofrinho do erário do que o do pobre. É uma evasão legal, estritamente legal, que o Fisco não pode alcançar. E também é uma enorme distorção, uma injustiça tributária como jamais se viu na história brasileira.
Evasão Travestida de Legal
Dependendo da fantasia que a traveste, pode ser que o Fisco alcance ou não a evasão travestida de legal. Se o modelo foi desenhado pela própria legislação, se é oficial, o Fisco não consegue alcançá-la. Já se o modelo é pirata, se apenas imita o figurino legal, mas não é exatamente o mesmo, o Fisco até pode apontá-la, com imensa dificuldade probatória, mas talvez a autuação não prospere, por ter sido alicerçada em terreno movediço.
Vejamos um exemplo novamente no campo do ICMS-ST, retido pelas futuras saídas posteriores à da fábrica, com base em IVA-ST médio ponderado. Uma indústria vende um produto para uma loja de departamento por R$1.000,00. Paga 18% de ICMS pela operação própria (R$180,00), e retém 18% de ICMS-ST sobre o IVA-ST de 50% (R$1000,00 x 18% x 50%= R$90,00). Ou seja, no total esse item pagaria R$270,00 de ICMS (180+90). Mas se essa mesma indústria cria uma distribuidora em nome de familiares, para a qual passa a vender toda a sua produção, pela metade do preço anterior — ou seja, por R$500,00 — e esta revende para a loja pelos mesmos R$ 1.000,00 de outrora, esse produto pagará a metade do ICMS total que pagava antes (R$ 90,00 da operação própria e R$ 45,00 por retenção = R$ 135,00).
O que essa indústria fez? Apenas criou uma distribuidora e desmembrou a operação de venda em duas etapas. Vale dizer, deixou de pagar ICMS travestindo de legalidade a configuração original do negócio, praticando uma triangulação. O Fisco não pode autuar, ainda que detecte a manobra. Talvez até pudesse fazê-lo se provasse que houve barbeiragem, que a empresa distribuidora, a criada artificialmente, é um simulacro, eis que não possui empregados, não emite as próprias notas, o computador do emitente é o mesmo da fábrica, sequer gerou as faturas, etc. Mas essas barbeiragens, convenhamos, seriam primárias demais. Via de regra a distribuidora é montada e passa a existir de fato. Talvez tenha pouquíssimos empregados, quem sabe a mercadoria nem transite por ela, mas ainda assim seria discutível autuá-la, sobretudo se a escrituração estiver conforme o figurino oficial.
Note-se que essa mesma indústria pode até usar parte da vantagem tributária para competir em melhores condições, sobretudo se os concorrentes não fizerem o mesmo. É, portanto, um estímulo à concorrência predatória. Claro que se a empresa for uma multinacional dificilmente jogará esse jogo, pois poderia perder o controle sobre a distribuidora, esta teria de constar em nome de terceiros, a triangulação teria de ser mencionada em atas de reuniões ou assembleias, em notas explicativas de balanços, o Fisco até poderia desmontar a configuração artificial. Além disso, a apropriação de lucros ficaria complicada: a fábrica daria pouco lucro e a distribuidora (em nome de terceiros) um lucro enorme. E se a indústria for de capital aberto, seria não só complicado, mas também proibido, pois afetaria diretamente os lucros e as cotações acionárias de ambas as envolvidas.
Ou seja, para uma empresa bem disciplinada essa abordagem seria incompatível. Mas para outras não. Talvez alguém até quisesse transferir patrimônio — via lucros da distribuidora — para certos parentes e economizar ITCMD no futuro, escaparia de dois tributos ao mesmo tempo, uma bela cajadada. Enfim, é uma brecha que pode sangrar muito os cofres públicos e interferir na concorrência, sem dúvida nenhuma.
A alegação da cúpula fazendária de que na pesquisa seguinte de IVA-ST o problema se resolveria, eis que a margem se ajustaria automaticamente, não procede. É que nesse exemplo, na pesquisa seguinte dobraria apenas a margem daquela empresa, daquela posição fiscal de produtos, mas as margens das outras empresas do segmento continuariam as mesmas, de modo que a média talvez se elevasse um pouco, conforme a representatividade da indústria, mas dificilmente dobraria, a menos que se tratasse de um monopólio, ou se todas as empresas do segmento, que operam com produtos daquela posição fiscal, estivessem fazendo a mesma manobra. Mas isto na vida real é impossível de ocorrer, até porque em cada posição cabem miscelâneas de produtos e de indústrias que raramente atuam na gama inteira (por exemplo: copos, xícaras, bandejas, travessas, talheres, etc; variam até os materiais desses produtos).
Também não poderíamos afirmar que quem não manobrou para a criação da distribuidora perdeu porque quis, absolutamente, pois isto seria o mesmo que induzir o contribuinte à travessura para defender-se.
Observe-se que o gesto predador — a criação da distribuidora — só passou a existir em função do maquiavelismo tributário do próprio governo, que inovou na forma e na abrangência da ST. Ou seja, o gesto predador só se tornou possível porque o poder público, através da legislação, consentiu.
Em síntese, uma Reforma Tributária minimamente razoável deve enfrentar também a questão das evasões legais e das travestidas de legais.
No próximo artigo, analisaremos a evasão via guerra fiscal. Até…
asgvalente@uol.com.br

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